quarta-feira, 1 de junho de 2016

Sobre Sororidade

Venho percebendo duas correntes se popularizando pelas redes sociais: uma que diz que toda feminista que se preze deve amar incondicionalmente as outras mulheres, e outra que diz que não é bem assim, você precisa mesmo é respeitar, mas tem que levar em conta que existe mulher “sem caráter”. Ora, vejam. Vamos lá.
Ninguém, de fato, é obrigado a amar ninguém. Nem mulher, nem homem, nem periquito, nem papagaio. Você, de fato, é obrigada a respeitar todos. Mas o amor da primeira corrente é, intrinsicamente, respeito. É muita desonestidade olhar para nós feministas e dizer que temos que amar uma mulher incondicionalmente quando, na verdade, estamos dizendo que você tem que procurar compreender suas semelhantes e não julgar, rivalizar, zombar. Principalmente se o motivo disso tudo for um homem. Ou a cultura que privilegia este homem.
Enfim. Minha crítica então se direciona à segunda corrente de pensamento. O que define o caráter de alguém? Vamos analisar algumas hipóteses e rebater um pouco desse pensamento que me parece calcado ainda em um machismo enrustido de “não sou obrigada a nada”.
1.      A mulher é criminosa
Não, você não é obrigada a amar uma criminosa. Mas não fuja do esforço de compreender esse crime. Em que condições vive essa mulher? Há possibilidades desse crime ter sido motivado por alguma pressão social? Nada justificará um crime, mas só julgue severamente uma mulher se também faz isso com um homem. Não adianta você querer a morte da Suzane von Richthofen e nem lembrar que o Champinha existe.
2.      A mulher é amante do seu namorado/ficante/marido
Não, você não é obrigada a amar a amante de qualquer boy seu. Realmente é triste saber que talvez essa mulher não a tenha respeitado. Mas você precisa entender que quem tem um relacionamento com você não é ela, e que ela, provavelmente, não tem acesso a teorias feministas como você tem. Tente sempre entender que vocês foram criadas sob um patriarcado que as querem como inimigas, competidoras, e que atribui valor excessivo ao homem. NÃO SUSTENTE ISSO. Converse com o seu boy, exija atitudes dele. Converse com ela, esclareça a situação, mostre que esse relacionamento é prejudicial para os três, posto que nenhum dos interessados é respeitado pelo o outro. É importante também ouvir sempre os dois lados da história e levar em conta toda a cultura sexista em que vivemos. Se os amantes insistirem, saia de cena. O arrependimento de maleficiar uma mulher sempre chega ao coração da outra. Pode não evitar que seu relacionamento acabe, mas edifica e empodera a outra mana.
3.      As pessoas dizem que a mulher é vagabunda
Nunca. Nunca caia nessa cilada. Você não é obrigada a amar mulher vagabunda porque essa mulher não existe. Existe mulher que reproduz o machismo, que é massacrada por ele, que morre sem enxergar seus malefícios. Mas elas não são vagabundas. O patriarcado criou essa categoria para deslegitimar a vida social da mulher, principalmente quando ela reclama para si atitudes que são tidas como “naturais” para os homens. Gostar de sexo não é falta de caráter; nem gostar de beber, nem de fumar, nem de inalar loló, seja lá o que você faz que não é coisa boa aos olhos da sociedade. Ela também não é vagabunda porque anda de salto, ou porque usa batom vermelho, tem os cabelos longos, usa calça justa, tem silicone, mostra barriga, tem tatuagem, teve filho na adolescência, ou qualquer, QUALQUER coisa do tipo. NÃO EXISTE VAGABUNDA. Você pode não repetir determinadas atitudes e, obviamente, não irá amar uma pessoa que não condiz com seus valores pessoais. Mas vai ter que compreender e aceitar. E isso é mais do que respeitar.

São muitos os pontos que poderíamos debater e discutir. Até o momento, a leitora deve estar pensando: “mas moça, você está defendendo a segunda corrente de pensamento, não? Está dizendo que não tem necessidade de amar esta ou aquela mulher, e sim respeitá-la”.
Não. Estou dizendo outra coisa. O que quero é fazer com que reflitam e não caiam nessa conversa de que se deve simplesmente respeitar uma semelhante. Esse é o discurso de gente que, por exemplo, diz que não aceita a comunidade LGBT. Dizem elas: “Respeito, mas não concordo”. Isso é julgar o mérito, isso é condenar. E em se tratando de nossa classe, a classe feminina, julgar é perigoso, é pisar em ovos. Hoje apontamos o dedo, e amanhã a sociedade aponta para nós.
Essa teoria do “você lá e eu aqui, com muito respeito” é segregacionista, é falaciosa.
Sinceramente, um desserviço à luta feminista.
Prefiro ficar com o amor incondicional porque podemos debater dentro dele todas as problemáticas antes de simplesmente arranjarmos uma teoria para legitimar nossa rixa/mágoa/raiva por alguma mulher.




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