Venho
percebendo duas correntes se popularizando pelas redes sociais: uma que diz que
toda feminista que se preze deve amar incondicionalmente as outras mulheres, e
outra que diz que não é bem assim, você precisa mesmo é respeitar, mas tem que
levar em conta que existe mulher “sem caráter”. Ora, vejam. Vamos lá.
Ninguém,
de fato, é obrigado a amar ninguém. Nem mulher, nem homem, nem periquito, nem
papagaio. Você, de fato, é obrigada a respeitar todos. Mas o amor da primeira
corrente é, intrinsicamente, respeito. É muita desonestidade olhar para nós
feministas e dizer que temos que amar uma mulher incondicionalmente quando, na
verdade, estamos dizendo que você tem que procurar compreender suas semelhantes
e não julgar, rivalizar, zombar. Principalmente se o motivo disso tudo for um
homem. Ou a cultura que privilegia este homem.
Enfim.
Minha crítica então se direciona à segunda corrente de pensamento. O que define
o caráter de alguém? Vamos analisar algumas hipóteses e rebater um pouco desse
pensamento que me parece calcado ainda em um machismo enrustido de “não sou
obrigada a nada”.
1.
A
mulher é criminosa
Não,
você não é obrigada a amar uma criminosa. Mas não fuja do esforço de compreender
esse crime. Em que condições vive essa mulher? Há possibilidades desse crime
ter sido motivado por alguma pressão social? Nada justificará um crime, mas só
julgue severamente uma mulher se também faz isso com um homem. Não adianta você
querer a morte da Suzane von Richthofen e nem lembrar que o Champinha existe.
2.
A
mulher é amante do seu namorado/ficante/marido
Não,
você não é obrigada a amar a amante de qualquer boy seu. Realmente é triste
saber que talvez essa mulher não a tenha respeitado. Mas você precisa entender
que quem tem um relacionamento com você não é ela, e que ela, provavelmente,
não tem acesso a teorias feministas como você tem. Tente sempre entender que
vocês foram criadas sob um patriarcado que as querem como inimigas, competidoras,
e que atribui valor excessivo ao homem. NÃO SUSTENTE ISSO. Converse com o seu
boy, exija atitudes dele. Converse com ela, esclareça a situação, mostre que
esse relacionamento é prejudicial para os três, posto que nenhum dos
interessados é respeitado pelo o outro. É importante também ouvir sempre os
dois lados da história e levar em conta toda a cultura sexista em que vivemos. Se
os amantes insistirem, saia de cena. O arrependimento de maleficiar uma mulher
sempre chega ao coração da outra. Pode não evitar que seu relacionamento acabe,
mas edifica e empodera a outra mana.
3.
As
pessoas dizem que a mulher é vagabunda
Nunca.
Nunca caia nessa cilada. Você não é obrigada a amar mulher vagabunda porque
essa mulher não existe. Existe mulher que reproduz o machismo, que é massacrada
por ele, que morre sem enxergar seus malefícios. Mas elas não são vagabundas. O
patriarcado criou essa categoria para deslegitimar a vida social da mulher,
principalmente quando ela reclama para si atitudes que são tidas como “naturais”
para os homens. Gostar de sexo não é falta de caráter; nem gostar de beber, nem
de fumar, nem de inalar loló, seja lá o que você faz que não é coisa boa aos
olhos da sociedade. Ela também não é vagabunda porque anda de salto, ou porque
usa batom vermelho, tem os cabelos longos, usa calça justa, tem silicone,
mostra barriga, tem tatuagem, teve filho na adolescência, ou qualquer, QUALQUER
coisa do tipo. NÃO EXISTE VAGABUNDA. Você pode não repetir determinadas atitudes
e, obviamente, não irá amar uma pessoa que não condiz com seus valores pessoais.
Mas vai ter que compreender e aceitar. E isso é mais do que respeitar.
São
muitos os pontos que poderíamos debater e discutir. Até o momento, a leitora
deve estar pensando: “mas moça, você está defendendo a segunda corrente de
pensamento, não? Está dizendo que não tem necessidade de amar esta ou aquela
mulher, e sim respeitá-la”.
Não.
Estou dizendo outra coisa. O que quero é fazer com que reflitam e não caiam
nessa conversa de que se deve simplesmente respeitar uma semelhante. Esse é o
discurso de gente que, por exemplo, diz que não aceita a comunidade LGBT. Dizem
elas: “Respeito, mas não concordo”. Isso é julgar o mérito, isso é condenar. E
em se tratando de nossa classe, a classe feminina, julgar é perigoso, é pisar
em ovos. Hoje apontamos o dedo, e amanhã a sociedade aponta para nós.
Essa
teoria do “você lá e eu aqui, com muito respeito” é segregacionista, é
falaciosa.
Sinceramente,
um desserviço à luta feminista.
Prefiro
ficar com o amor incondicional porque podemos debater dentro dele todas as
problemáticas antes de simplesmente arranjarmos uma teoria para legitimar nossa
rixa/mágoa/raiva por alguma mulher.
Avante!