Imaginou a existência. Pensar sem
linguagem é inconcebível aos seus olhos tão treinados a enxergarem o mundo
dentro da lógica semiótica que traduz o cotidiano em palavras. Não lembrava de
quando nasceu, de quando respondia mecanicamente aos movimentos dos pais, de
quando não tinha noção de sociedade, economia, política. Era impraticável as
atitudes de quando tinha apenas alguns meses de vida: comer deixara de ser
apenas por necessidade, e vestir-se também. Aos poucos sabia que fora inserida
em um sistema ditador. Ele a disse claramente: “Tu és mulher. Tu és fraca. Tu
és latina. Tu és puta”. Não havia meios com que pudesse lutar para simplesmente
não estar ali, pois ignorar a formação arbitrária da sociedade não constava na
lista de concessões que o universo a oferecera.
Admirava cinema francês, música
britânica, moda italiana, comida estadunidense. Por aí, já começara a encarar
as dificuldades geográficas que massacram o sujeito latino-americano. Para ele,
muita coisa era (é) negada. Para ele, a bem da verdade, praticamente tudo era
(é) negado. Seu povo foi explorado, colonizado, massacrado e nenhuma esperança
de mudança pode-se ter à vista. Os grandes continuam sugando dos menores, e as
belezas naturais dos países americanos que quase não são lembrados de serem
americanos porque somente um país na América é digno, da perspectiva
predominante, de ser denominado pelo adjetivo de um continente inteiro, ah...
essas belezas estão mortas. Ou melhor! Essas belezas viraram outras belezas que
só são belezas para quem as concentram em seus próprios bolsos. Ou em suas
contas gorduchas, abertas em paraísos fiscais, paraísos europeus, paraísos só
para quem tem as belezas e podem comprar as passagens e garantir as hospedagens
e tanta coisa que o sujeito latino-americano está longe de ter, e se tem, por
alguma obra sistemática do destino, é sempre o estrangeiro desses lugares.
Buscara, constantemente, viver
histórias alheias à realidade de seu país. Também buscara conhecer pessoas
etnicamente estranhas ao território latino: olho azul, cabelo loiro, sardinhas
pipocando nas bochechas. Porém soube que esse indivíduo etnocêntrico
europeu-estadunidense não a bem queria, visto que a mulher mestiça das Américas
é pintada como repositório de esperma. E seriam só as latinas? Claramente que
não, mas com toda a certeza a dicotomia do “mulher para casar/mulher para
trepar” evidencia-se em grande, grandessíssimas escalas, nas colonizadas em solo
americano, que guardam no peito toda essa sujeira não noticiada, não
escancarada. Economicamente, ainda somos exploradas. Sexualmente também.
Pretende, então, falar mais sobre isso na mesa de bar. Pretende problematizar
esse lugar mesquinho que a fizerem engolir com chá inglês.